05/01/2011

Cuidado para não errar na sua VOCAÇÃO!!!



O fato de que centenas perderam o rumo e tropeça­ram num púlpito está patenteado tristemente nos mi­nistérios infrutíferos e nas igrejas decadentes que nos cercam. Errar na vocação é terrível calamidade para o homem, e, para a igreja sobre a qual ele se impõe, seu erro envolve aflição das mais dolorosas. Seria um curioso e penoso tema para reflexão a freqüência com que homens dotados de razão enganam-se quanto à finalidade da sua existência e miram coisas que nunca deveriam ter buscado. O escritor que redigiu os seguintes versos por certo estava com os olhos postos em muitos púlpitos ocupados indevidamente:





Mostrai ó sábios, se podeis, entre animais de toda espécie e condição, tamanho e classe, desde elefantes a mosquitos, um ser que tanto erre nos planos, e tantas vezes, como o homem.
Cada animal quer o bem próprio — busca prazer, ração, repouso, que a natureza indica e mostra, sem nunca errar na escolha feita. Só o homem falha, embora tenha razão acima dos demais.
Descei a exemplos e provai: O boi jamais tenta voar, não deixa os pastos na campina nem com os peixes sonda as águas. Dos animais, só o homem age oposto à sua natureza.

Quando penso no prejuízo, que por pouco não é infinito, que pode resultar do erro quanto à nossa vocação para o pastorado cristão, domina-me o temor de que algum de nós tenha sido negligente no exame de suas credenciais. Preferiria que vivêssemos em dú­vida e nos examinássemos muitíssimas vezes, do que tornarmos empecilhos no ministério. Não faltam nume­rosos métodos pelos quais o homem pode testar sua vocação para o ministério, se ardorosamente o quiser fazer. É-lhe imperativo que não entre no ministério en­quanto não fizer profunda sondagem e prova de si próprio quanto a este ponto. Estando seguro da sua salvação pessoal, deve investigar quanto à questão sub­seqüente da sua vocação para o ofício; a primeira é-lhe vital como cristão, e a segunda lhe é igualmente vital como pastor. Ser pastor sem vocação é como ser membro professo e batizado sem conversão. Nos dois casos há um nome, e nada mais.

1. O primeiro sinal da vocação celeste é um desejo intenso e absorvente de realizar a obra. Para se constatar um verdadeiro chamamento para o ministé­rio é preciso que haja uma irresistível, insopitável, ar­dente e violenta sede de contar aos outros o que Deus fez por nossas almas. Que tal se eu apelidar isso de uma espécie de ternura, como a que os pássaros têm pela criação dos seus filhotes quando chega a estação própria; quando a ave mãe está disposta a morrer, antes de abandonar o ninho.
Alguém que conheceu Alleine intimamente disse que "ele tinha infinita e insaciável avidez pela con­versão de almas". Quando pôde ter participação so­cietária na universidade em que estava, preferiu uma capelania, porque "o inspirava uma impaciência por ocupar-se diretamente na obra ministerial". "Não entre no ministério se puder passar sem ele", foi o conselho profundamente sábio de um teólogo a alguém que pro­curou a sua opinião. Se alguém neste recinto puder ficar satisfeito sendo redator de jornal, merceeiro, fa­zendeiro, médico, advogado, senador ou rei, em nome do céu e da terra, siga o seu caminho. Não é homem em quem habita o Espírito de Deus em Sua plenitude, pois o homem assim revestido da plenitude de Deus ficaria inteiramente enfadado com qualquer carreira que não aquela pela qual o âmago da sua alma palpita.
Por outro lado, se você puder dizer que nem por toda a riqueza da índia poderia ou ousaria esposar qualquer outra carreira a qual o apartasse da prega­ção do evangelho de Jesus Cristo, fique certo então que se noutras coisas o exame for igualmente satisfatório, você tem os sinais do apostolado. Devemos estar con­victos que a desonra virá sobre nós se não pregarmos o evangelho. A Palavra de Deus deve ser como fogo em nossos ossos, do contrário, se nos aventurarmos no mi­nistério, seremos infelizes nisso, seremos incapazes de suportar as diversas formas de abnegação que lhe são próprias, e prestaremos pouco serviço àqueles aos quais ministramos. Falo de formas de abnegação, e digo bem, pois o trabalho do verdadeiro pastor está repleto delas, e, se não amar a sua vocação, logo sucumbirá ou de­sistirá da luta, ou prosseguirá descontente, sob o peso de uma monotonia tão fastidiosa como a de um cavalo cego girando um moinho.

"Na força do amor há consolação
que torna suportável uma coisa
que a qualquer outro rompe o coração."

Cingidos desse amor, vocês serão intrépidos; des­pidos desse cinto mais que mágico da vocação irresis­tível, consumir-se-ão na desventura.
Este desejo deve resultar de reflexão. Não deve ser um impulso repentino desajudado por uma ponde­ração ansiosa. Deve ser o resultado do nosso coração em seus melhores momentos, o objeto de nossas reve­rentes aspirações, o assunto de nossas mais ferventes orações. Deve continuar conosco quando tentadoras ofertas de riqueza e comodidade entrarem em conflito com ele, e deve permanecer como uma resolução se­rena e bem pensada depois de tudo ter sido avaliado em suas proporções certas, e o preço muito bem calculado.
Quando morava com meu avô no campo, na meninice, vi um grupo de caçadores, com seus casacos vermelhos, cavalgando pelos campos atrás de uma ra­posa. Foi uma delícia para mim! Meu pequeno cora­ção excitou-se; senti-me disposto a seguir os cães de caça, saltando barreiras e cruzando valas. Sempre tive gosto natural por essa espécie de atividade, e, na minha infância, quando me perguntavam o que eu queria ser, costumava dizer que ia ser caçador. Bela profissão, na verdade! Muitos jovens têm a mesma idéia de serem clérigos, como eu de ser caçador — simples noção infantil, de que gostariam do casaco e do toque das cornetas; da honra, do respeito e da tranqüilidade; e talvez sejam bastante tolos para pensar — gostariam das riquezas do ministério (só podem ser ignorantes, se buscam riqueza com relação ao ministério evan­gélico). O fascínio exercido pelo ofício de pregador é muito grande para as mentes fracas, razão por que energicamente advirto a todos os jovens a não confun­direm fantasia com inspiração, e preferência infantil com vocação do Espírito Santo.
Notem bem, o desejo de que falei deve ser total­mente desinteressado. Se um homem perceber, depois do mais severo exame de si próprio, qualquer outro motivo que a glória de Deus e o bem das almas em sua busca do episcopado, melhor será que se afaste dele de uma vez, pois o Senhor aborrece a entrada de compradores e vendedores em Seu templo. A intro­dução de qualquer coisa que cheire a mercenário, mes­mo no menor grau, será como um inseto no unguento, estragando-o de todo.
Esse desejo deve ser tal que permaneça conosco, uma paixão que agüente o teste da provação, um anelo do qual nos seja completamente impossível fugir, ainda que o tentemos; desejo, na verdade, que se torna cada vez mais intenso conforme os anos passem, até tornar--se um anseio, uma anelante aspiração, uma consumi­dora fome de proclamar a Palavra. Esse desejo intenso é uma coisa tão nobre e tão bela que, toda vez que o percebo inflamar-se no peito de algum jovem, sem­pre me contenho, não me apressando a desanimá-lo, mesmo que tenha dúvidas quanto à sua capacidade. Talvez seja necessário, por razões que lhes serão dadas mais adiante, sufocar as chamas, mas isto deve ser feito com relutância e com sabedoria. Tenho tão pro­fundo respeito por este "fogo nos ossos" que, se eu mesmo não o sentisse, teria que abandonar de uma vez o ministério. Se vocês não sentem o calor sagrado, rogo-lhes que voltem para casa e sirvam a Deus em suas respectivas esferas. Mas se, com certeza, as brasas de zimbro chamejam por dentro, não as apaguem, a menos que, de fato, outras considerações de grande importância lhes provem que o desejo que têm não é fogo de origem celestial.

2. Em segundo lugar, em combinação com o de­sejo ardente de ser pastor, é preciso que haja aptidão para ensinar e certa medida das outras qualidades ne­cessárias ao ofício de instrutor público. Para provar sua vocação o homem precisa testá-la com êxito. Não pre­tendo que na primeira vez que um homem se levantar para falar, pregue tão bem como Robert Hall em seus últimos tempos. Se a sua pregação não for pior do que o grande homem fez no início da sua carreira, não deve ser condenado. Vocês sabem que Robert Hall fracassou completamente três vezes, e clamava: "Se isto não me humilhar, nada mais me humilhará". Al­guns dos mais nobres oradores não foram dos mais fluentes nos seus primeiros tempos. Mesmo Cícero no início padecia de voz fraca e dificuldade de elocu­ção. Contudo, ninguém deve considerar-se chamado para pregar enquanto não provar que pode falar em público. Claro que Deus não criou o hipopótamo para voar, e se o leviatã tivesse forte desejo de subir aos ares com a calhandra, evidentemente seria uma aspi­ração insensata, visto que não é dotado de asas. Se um homem for vocacionado para pregar, será dotado de capacidade em algum grau para falar, capacidade que ele cultivará e desenvolverá. Se o dom de elocução não existir no início em alguma medida, não é pro­vável que venha a desenvolver-se.
Ouvi falar de um cavalheiro que tinha o mais intenso desejo de pregar, e tanto insistiu com o seu pastor que, depois de múltiplas recusas, conseguiu licença para pregar um sermão de prova. Essa oportu­nidade foi o fim da sua importunação, pois, depois de anunciar o texto, viu-se privado de todas as idéias menos uma, que ele transmitiu sentidamente, e em seguida desceu da tribuna: "Meus irmãos", disse ele, "se algum de vocês pensa que é fácil pregar, acon­selho-o a vir até aqui para perder toda a vaidade."
A prova a que submetam as suas capacidades revelará a sua deficiência, se vocês não tiverem a aptidão necessária. Não conheço nada melhor. Deve­mos dar-nos a nós próprios uma boa prova nesta ques­tão, ou não poderemos saber com certeza se Deus nos chamou ou não; e durante a prova, devemos pergun­tar-nos a nós mesmos muitas vezes se, de modo geral, podemos alimentar a esperança de edificar outros com os nossos discursos.
Contudo, devemos fazer mais do que submeter isso à nossa consciência e ao nosso julgamento, pois somos juízes ineptos. Certa classe de irmãos tem gran­de facilidade para descobrir que tem sido maravilhosa e divinamente auxiliada em suas declamações. Eu inve­jaria a gloriosa liberdade e a confiança própria desses irmãos, se houvesse algum fundamento para isso. Pois, lastimavelmente, com muita freqüência tenho que de­plorar e lamentar minha falta de sucesso e meus fias­cos como orador. Não devemos confiar muito em nossa própria opinião, mas se pode aprender muito de pes­soas judiciosas e de índole espiritual. De modo ne­nhum é isto uma lei que deva obrigar a todas as pes­soas, mas ainda assim é um bom e antigo costume em muitas das nossas igrejas rurais, o jovem que aspira ao ministério pregar perante a igreja. Dificilmente é um ensaio agradável ao jovem aspirante, e, em muitos casos, mal chega a ser um exercício edificante para o povo; todavia, pode dar provas de que é um recurso disciplinar dos mais salutares, e poupa a exposição pública da ignorância excessiva.


Fonte: O CHAMADO PARA O MINISTÉRIO, Charles Haddon Spurgeon

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